Biológa diz que a evolução explica nostalgia por passado supostamente perfeito

03/05/2011 12:47

Você se lembra de quando a vida era mais simples, e a alimentação não era repleta de alimentos processados e compostos químicos? Não, não falo dos anos 50. Cada vez mais, estamos desenvolvendo nostalgia por uma época muito anterior: o Pleistoceno, quando humanos viviam em pequenos grupos de caçadores-coletores e não se preocupavam com o colesterol.

Filmes como “10.000 a.C.” são populares porque apelam à nossa sensação de que a vida costumava estar mais em sintonia com o meio ambiente. Uma charge recente mostra uma daquelas progressões evolucionárias – de macaco para homem caminhando ereto, para homem encurvado na frente de um computador – com a legenda: “Em algum lugar, algo deu terrivelmente errado.”

Talvez nossas tristezas apareçam porque nossos genes da Idade da Pedra sejam lançados na vida da Era Espacial. Aquela barriga de cerveja? É de comer muitos carboidratos processados; nossos corpos evoluíram para comer somente comidas não-refinadas, principalmente carne, e nós saímos do equilíbrio desviando de nossa dieta ancestral.

Alergias alimentares e sofrimentos digestivas? Nós, como os outros mamíferos, não deveríamos consumir laticínios após a amamentação. Quando os políticos caem em desgraça após cometer adultério, algum comentarista invariavelmente apontará que esse comportamento tem raízes evolucionárias: os melhores procriadores não eram os machos-alfa com olhos vagos?

Fantasia

Para resumir, nós temos o que a antropóloga Leslie Aiello chamou de “Paleofantasia.” Ela se referia a histórias sobre a evolução humana baseada em evidências limitadas de fósseis, mas o termo se aplica igualmente bem para a nostalgia aos dias muito antigos como um critério para a maneira que a vida deve ser, e por que ela às vezes parece tão fora de esquadro.

Como bióloga evolucionária, eu estava inicialmente cheia de entusiasmo pela ideia de uma falta de combinação moderna entre a vida cotidiana e nosso passado evolucionário. Mas uma análise mais detalhada revela que nem todas as ideias evolucionárias são criadas iguais; mesmo para darwinianos, o inferno está nos detalhes. A noção de que havia uma época de perfeita adaptação, da qual nós atualmente nos desviamos, é uma caricatura da maneira pela qual funciona a evolução.

Primeiro, quando exatamente foi essa era de harmonia, e como ela era? Recolher restos, ou comer carcaças de animais mortos deixados por (ou roubados de) predadores como leões, foi provavelmente substituído por caçar ativamente e acumular plantas selvagens cerca de 55 mil anos atrás, e a agricultura parece ter se iniciado há apenas 10 mil anos. Nós fizemos muitas coisas diferentes ao longo de cada uma dessas épocas.

Quanto da dieta no nosso idílico passado de caçadores era carne, e que tipo de plantas e animais eram usados, variavam amplamente com o tempo e espaço. Inuits tinham dietas diferentes dos aborígenes australianos ou habitantes das florestas Neotropicais. E sabemos pouco sobre os detalhes do início das estruturas familiares e outros aspectos do comportamento. Então, o argumento de que “devemos” comer certa proporção de carne, por exemplo, é altamente questionável. Qual de nossos ancestrais humanos estamos usando como modelo?

Porém, a dificuldade em usar nossas personalidades de caçadores-coletores como ícones de bem-estar vai muito mais além. Não é como se finalmente houvéssemos atingido a mais perfeita harmonia com nosso ambiente durante o Pleistoceno.

Em vez disso, a evolução se move em conjunto, com sucessivas gerações algumas vezes imutáveis, algumas vezes melhor adaptadas a seu ambiente em alguns pontos, mas não em outros. Em qualquer ponto, ocorre a adaptação: indivíduos que conseguem aguentar calor, frio ou fome deixam mais descendentes que seus colegas menos resistentes. Mas não existe um ponto onde alguém possa dizer: “Voilà! Terminou.”

Será que nossos ancestrais das cavernas sentem nostalgia pelos dias antes de se tornarem bípedes? Será que os caçadores-coletores estavam convencidos de que tomar uma gazela de um leão era superior àquele negócio moderno de correr atrás dela você mesmo? E por que parar por aí? Por que não desejar ser aquático, já que a vida surgiu naquela área? Falando nisso, pode ser bom ser unicelular: afinal, o câncer surge porque nossos diferentes tecidos enlouquecem. Células sozinhas não desenvolvem câncer.

Você pode argumentar que os caçadores-coletores eram mais adaptados a seu ambiente simplesmente porque passaram muitos milhares de anos com ele – muito mais do que passamos sentados em frente a um computador ou comendo barras de chocolate. Isso é verdade para alguns atributos, mas não todos. A evolução não é o velho e enferrujado processo que costumávamos pensar. Cada vez mais, cientistas estão descobrindo que a taxa da evolução pode ser extremamente rápida ou lenta, ou qualquer grau de meio-termo.

Consuma laticínios, uma das clássicas comidas modernas que nós supostamente não deveríamos comer. A maioria das pessoas que não os tolera não tem um gene que confere a habilidade de quebrar a lactose, o açúcar do leite, após a idade de desmamar. Nossos ancestrais da Idade da Pedra tampouco podiam digerir o leite enquanto adultos, mas um recente estudo mostra que cerca de 5 mil anos atrás, mutações que mantêm esse gene ligado se espalharam pelo norte da Europa. Foi também nessa época que o gado começou a ser domesticado; ser capaz de consumir leite, assim como queijos de lactose mais baixa, seria vantajoso como fonte de nutrição e fluidos.

Interessantemente, a tolerância à lactose também é encontrada em algumas populações africanas; as mutações para isso são diferentes das encontradas em europeus, mas os resultados são os mesmos. Essa grande mudança na dieta – e nos genes – ocorreu num piscar de olhos evolucionário.

Nós nunca fomos uma combinação perfeita com o ambiente. Em vez disso, nossa adaptação é mais como um zíper quebrado, com alguns dentes que se alinham e outros que pulam para fora. O paleontólogo Neal Shubin aponta que nosso peixe interno compele o desempenho e a saúde do corpo humano, pois as adaptações que apareceram num ambiente nos complicaram em outro. Soluços, hérnias e hemorróidas são todos causados por uma transferência imperfeita de tecnologia anatômica de nossos ancestrais peixes.

Isso não significa dizer que não estaríamos melhor comendo menos alimentos processados. E certamente temos preocupações salutares que nunca atingiram nossos ancestrais. Mas não deveríamos nos flagelar por termos corpos modernos, e não deveríamos supor que corrigir a dieta ou a postura nos salvaria das doenças atuais. Isso é apenas uma paleofantasia sobre o futuro.